Falar de Responsabilidade Social envolve, via de regra, a amplificação do conceito para Responsabilidade Socioambiental. Entretanto, nesta oportunidade, não quero me ater a questão ambientalista clássica, foco das abordagens relativas a consciência de geração de resíduos e uso dos recursos naturais.

Minha reflexão neste artigo é focar especificamente na Responsabilidade Social propriamente dita. Ou seja, exclusivamente focado nas Ações Sociais externas que envolvem as iniciativas das organizações em geral, sejam elas públicas ou privadas. Nem me aterei também as iniciativas de Responsabilidade Social internas, tipicamente tratadas pela norma SA 8000 (foco de outro artigo).

Isto porque há uma confusão imensa em relação as iniciativas de Responsabilidade Social que possam ser consideradas válidas no âmbito da Primazia da Gestão, especialmente no que é valorizado nos REPG – Referenciais de Exemplaridade da Primazia da Gestão.

O que é Ação Social no âmbito da Responsabilidade Social

Ação Social pode ser definida como qualquer atividade realizada pelas empresas (fora de sua atividade fim) para atender às comunidades em suas diversas formas (conselhos comunitários, organizações não governamentais, associações comunitárias etc.). Normalmente em áreas como assistência social, alimentação, saúde, educação, cultura, meio ambiente e desenvolvimento comunitário.

Abrange desde pequenas doações a pessoas ou instituições até ações estruturadas, com uso planejado e monitorado de recursos. Seja pela própria empresa, por fundações e institutos de origem empresarial, seja por indivíduos especialmente contratados para a atividade.

A empresa deve se esforçar para que essas atividades sejam bem estruturadas, visando maximizar seus impactos a longo prazo. É importante que os fornecedores, os acionistas e as outras partes interessadas também sejam estimulados a fazer esse tipo de ação. Embora suas ações sejam consideradas deles e não da empresa estimuladora.

O Instituto Ethos fornece diversas publicações com alternativas e indicadores para o exercício de Ações Sociais pelas organizações em geral, como por exemplo:

  • Erradicação da Pobreza;
  • Educação;
  • Reabilitação do Preso;
  • Inclusão das Pessoas com Deficiência;
  • Inclusão Digital;
  • Criança e pelo Adolescente;
  • Apoiar e Participar do Combate à Fome;
  • Participar de Programas de Segurança Alimentar com a Mobilização dos Funcionários;
  • Saúde da Mulher.

O que não é Ação Social válida no âmbito da Responsabilidade Social

Dito o que é Ação Social, me parece fundamental guardar alguns minutos para explicar o que NÃO pode ser considerado Ação Social válida. Principalmente se considerarmos como iniciativas organizacionais.

Primeiramente deixe-me explicar um detalhe importante. Independentemente do que vou explicar abaixo, toda Ação Social é pertinente e necessária, principalmente se considerarmos àqueles(as) a quem ela foi direcionada. Mas nem todas são consideradas válidas para serem valorizadas como Ação Social genuína.

Basicamente há uma diferença entre Ação Social válida e Filantropia. 

Diferenças entre Filantropia e Ação Social no âmbito da Responsabilidade Social

Filantropia tem características bem distintas. Trata-se de uma ação individual e voluntária, que fomenta a caridade e de cunho assistencialista. Exercitada a partir de uma decisão individual, por abnegados, e que prescinde de gerenciamento.

A Ação Social válida tem outras características muita mais amplas. Trata-se de uma ação coletiva, consensual e não voluntária (portanto remunerada pela organização), que fomenta a cidadania. É exercitada por todas as partes interessadas como ação estratégica (planejada no âmbito de sua formulação). E que demanda forte gerenciamento das atividades cronogramadas e dos impactos decorrentes.

A Ação Social é empreendida a partir de uma demanda pesquisada junto a comunidade a ser impactada. Isto porque alguma solução foi pensada para reduzir seus impactos negativos. A Filantropia é uma ação descasada desta pesquisa e deste planejamento de solução. Pois se baseia apenas na boa vontade e na possibilidade do filantropo (voluntário).

Embora ambas forneçam ajuda bem-vinda a comunidade foco, as iniciativas são distintas. Ação Social é uma prática de uma empresa e Filantropia é uma ação de um indivíduo de forma voluntária.

O que é Voluntariado

O conceito de voluntariado é regido pela Lei Federal nº 9.608, de 18/02/98 e consiste na atividade não remunerada, prestada por pessoa física à entidade pública de qualquer natureza, ou à Instituição privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social, inclusive mutualidade.

Portanto, qualquer atividade voluntária (de alguém) não pode ser considerada Ação Social válida de qualquer organização, pois ela é exercida por este “alguém”, voluntariamente, e não pela organização propriamente dita. O exercício de voluntariado é prática de filantropia e não pode ser caracterizada como Ação Social de uma organização especificamente.

Por exemplo: a doação de sangue por um colaborador não é uma Ação Social da empresa e sim restrita a uma ação voluntária do indivíduo que faz a doação propriamente dita, filantropicamente. Capitalizar como Ação Social de uma empresa o incentivo a doar sangue é incorreto e configura mais como oportunismo. Mesmo que libere seu colaborador a dedicar tempo para tanto, até porque, esta liberação é uma exigência legal.

Outro exemplo similar seria considerar a Campanha do Agasalho como Ação Social de uma organização. Isto também é inadequado, principalmente porque quem doa é o indivíduo e não a empresa. Por mais que a empresa dedique algum esforço para organizar logisticamente a campanha e até colocar recursos para entregar os agasalhos a quem quer que seja, este esforço representa bem menos que a doação do agasalho propriamente dita.

Caso a organização se comprometesse a, a cada agasalho doado pelo colaborador doar outro com recursos da organização, aí sim pode-se dizer que exista uma Ação Social válida, pois foi empreendida pela organização em igual ou maior representatividade da ação de voluntariado (filantrópica).

Exemplos de Ações Sociais inválidas devido a se confundir com ações institucionais

Tratados os conceitos básicos que definem as diferenças entre Ação Social e Filantropia/Voluntariado, coloco abaixo alguns exemplos importantes de confusões que tenho me deparado na atividade de consultoria de organizações que nos apresentam suas iniciativas de Responsabilidade Social:

  • Patrocinar um paratleta: muitas empresas já me apresentaram iniciativas de patrocínio de paratletas (atletas com algum tipo de deficiência física) como Ação Social. Tal iniciativa configura muito mais como ação institucional (de marketing) do que Ação Social, portanto não pode ser considerada Ação Social válida;
  • Doação de produtos da empresa para nichos específicos: quando criança me lembro da empresa que fabrica o Nescau doar o produto por um dia para nós, alunos da escola. Esta doação não configura Ação Social porque envolve a atividade fim da organização, portanto configura uma atividade institucional (até hoje me sinto traindo a empresa quando compro Toddy, por exemplo);
  • Doação de quaisquer natureza, mas com exigência de alguma contrapartida: doar um produto necessário, ou mesmo dinheiro, tendo como fim algum tipo de contrapartida também não configura Ação Social válida e sim uma ação institucional de marketing. Por exemplo: doar dinheiro para o TELETON, mas exigir que seja exposta a marca durante o programa, não é Ação Social e sim uma ação de marketing. Outro exemplo: uma empresa de energia doar geladeira para moradores de favela na expectativa de que este morador regularize o “gato” de sua instalação elétrica ou mesmo que se reduza o consumo de energia (não paga, por conta do “gato”) configura alguma possibilidade de contrapartida, portanto não pode ser considerada Ação Social válida.

Exemplos de Ações Sociais inválidas devido a se confundir com Voluntariado

Existem outros dois exemplos específicos que preferi destacar que também são considerados inválidos, mas por motivos diferentes dos expostos acima:

  • Ações comunitárias por meio da ação dos colaboradores da empresa em horário livre: se a ação for em horário extra ao horário de trabalho, caracteriza voluntariado e ação específica do colaborador e não da empresa. Mesmo que a empresa entre com recursos para viabilização da ação comunitária, sem a participação dos colaboradores (voluntariamente) nada aconteceria. Para ser caracterizado como Ação Social válida os colaboradores precisariam estar sendo remunerados de alguma forma, para não caracterizar o voluntariado;
  • Ações comunitárias legítimas, mas não decorrentes de uma pesquisa de necessidades: qualquer Ação Social legítima, ou seja, que não incorra em ação de voluntariado (filantropia) e/ou ação institucional (de marketing) pode ainda não ser considerada válida caso a mesma não tenha sido decorrente de uma pesquisa estruturada de necessidade da comunidade impactada e que não abranja o monitoramento de seus impactos positivos posteriores a ação. Ou seja, a Ação Social precisa ser decorrente de uma pesquisa e que seja objeto de avaliação posterior de seus impactos, portanto, que seja evidente o seu gerenciamento.

O que seria o “Programa de Estagiários” no âmbito da Responsabilidade Social?

Esta é uma pergunta importante, principalmente porque me dá a oportunidade de abordar um tema sensível. Colocar o estagiário desenhado na estrutura organizacional oficial da organização, além de ser um erro crasso, é uma desobediência legal.

O estagiário não pode ser responsabilizado por nenhuma função específica da organização, portanto não pode fazer parte da estrutura oficial de um departamento ou de um círculo (quando a empresa está dinamizada pela holacracia). Caso um estagiário falte, ou mesmo não exista, as operações da organização não pode sofrer qualquer impacto de performance. Se isto ocorrer, é a prova cabal de que aquele estagiário é sim uma mão-de-obra barata e não mais obedece aos pressupostos da Lei do Estágio (Lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008).

Neste sentido, é a empresa que presta um serviço ao estagiário, e não o contrário. Ou seja, o Programa de Estagiários pode ser caraterizado como uma Ação Social válida. Exceção feita apenas se for caracterizada a dependência do mesmo à performance das operações.

A empresa se propõe a emprestar sua estrutura e suas oportunidades de trabalho aos objetivos educacionais do estagiário, não tendo este responsabilidades de performar, até porque não está devidamente capacitado ainda. Suas atividades são vistas como um exercício real de trabalho que só lhe acrescenta experiência prática e domínio conceitual, mas a empresa não precisa daquele trabalho para assegurar sua performance operacional. Assegurada esta premissa, é sim uma Ação Social importante e considerada válida.

Mas porque dedicar-se a Ações de Responsabilidade Social?

Nosso REPG considera as iniciativas de Responsabilidade Socioambiental como requisito proposto no SRT 9.3 que versa sobre Arquitetura Estratégica. Portanto é uma demanda estratégica e não uma iniciativa isolada do RH ou de algum outro departamento específico.

Infelizmente este é o SRT menos adotado pelas organizações, ou ainda o que é menos pontuado em nossas explorações do nível de completude em Primazia da Gestão. Com certeza uma miopia estratégica que ainda não assume que a Responsabilidade Social é um  assunto de todos nós e não apenas do estado.

Espero que este artigo possa aumentar o nível de consciência sobre este tema. E que acenda a curiosidade para debater mais e desenvolver Projetos Sociais mais abrangentes e com impactos mais expressivos a sociedade em geral.