A alienação dos profissionais de Recursos Humanos
Leciono desde que me formei (1991) em cursos de graduação em Administração de Empresas em diversas disciplinas. Pouco tempo depois, foquei minha atividade de docência apenas para cursos de pós-graduação e/ou mestrado em universidades comprometidas com a educação de qualidade. Nesta jornada, a alienação dos profissionais de Recursos Humanos tem sido uma triste constatação.
É recorrente eu conviver com alunos e alunas que trabalham nas áreas de RH e minha constatação não tem sido boa em relação a consciência de sua missão para transformação das organizações no século XXI.
Claro que minha percepção não pode ser generalizada, uma vez que minha convivência é com um substrato bem pequeno deste imenso mercado. Mas minha amostra tem algum grau de representatividade, pois meus alunos e alunas advém de cursos de pós-graduação das melhoras escolas (onde tive e tenho o privilégio de lecionar). Portanto não seria tão insustentável minha decepção.
Qual o principal motivo da decepção em relação aos profissionais de Recursos Humanos?
A maioria destes profissionais ainda estão conectados (e alienados) com o dia a dia tacanho da empresa em que trabalham. Isto porque estão, em alto grau, ainda submissos (e reféns) da falta de visão de seus superiores hierárquicos. Fazem o que mandam e não o que precisa ser feito. Não lideram a transformação que precisaria ser conduzida e pouco são empoderados neste sentido.
E o pior não é isto! Caso fossem empoderados, não estariam preparados para conduzir as mudanças necessárias que o século XXI impõe. Nem tecnicamente e muito menos comportamentalmente. E parece que não compreenderam que é esta a sua missão, pois ainda desejam se aperfeiçoar apenas em atividades típicas do século passado.
Estes profissionais conduzem ainda o antigo Departamento Pessoal ou mesmo RH clássico. Mesmo que seu “quadrado” tenho sido modernizado com nomes mais modernos (Gestão de Pessoas, Gestão de Talentos ou Gestão do Capital Intelectual ou ainda Gestão de Ativos Intangíveis) sua atribuição básica fica restrita em cuidar dos salários e benefícios dos colaboradores e dos treinamentos deles. Quando sobra tempo dedicam-se a pesquisas de Clima Organizacional, com sérias restrições de como são feitas e das ações decorrentes destas.
Pouco se fala nas atribuições estratégicas de Gestão de Mudança, principalmente em relação a cultura vigente, cuja condução ideal seria por um profissional desta área. Em contrapartida, quem acaba cuidando destas temáticas acaba sendo o pessoal de Compliance, ou o pessoal de Estratégia ou mesmo o pessoal da Qualidade, entre outros.
Quando fazem o correto, delega-se esta responsabilidade aos profissionais de Recursos Humanos, dado o despreparo, acabam fazendo ações de forma amadora, incompleta e até prejudicial a organização.
Em síntese, em adição as clássicas atividades do RH, existem diversas novas atribuições estratégicas que deveriam ser a missão preponderante dos profissionais de RH. Vamos ver algumas delas.
Missão 1: Recrutamento, Seleção e Contratação das pessoas
Esta estruturação depende de um trabalho paradigmático que poucos profissionais de Recursos Humanos sabem de que se trata. Uma especificação de competências adequada aos papéis a serem energizados pelos atores da organização. Perceba que os termos cargos e funções somem no contexto dos novos desafios.
Isto porque cada vez mais as pessoas serão encorajadas a terem autonomia do seu trabalho, podendo realizar suas tarefas, atividades e entregas (deliverables) sem supervisão direta de um supervisor clássico, mas com supervisão direta do próprio usuário de sua entrega. Isto será o ponto focal que viabilizará o trabalho a distância, onde não haverá chance de fiscalizar se a pessoa está trabalhando ou não. Toda a eficácia será mensurada a partir da satisfação em relação as entregas, e mais nada!
Esta especificação de competências não tem nada de semelhante com os famigerados Planos de Cargos e Salários. Tem uma outra dimensão e escopo de preocupação técnica. É suportado por um estruturado trabalho de Mapeamento de Processos com claras definições do que cada ator entrega e para quem (conceito de objeto), claras definições de missão de seu papel, entre outras que a Holacracia estabelece.
Isto posto, agora é fundamental que exista um processo estruturado de recrutamento e seleção que seja capaz de atrair, avaliar e contratar profissionais para assumirem os diversos papéis da organização. Este processo deve submeter-se totalmente a especificação de competências citado anteriormente e feito somente pelos profissionais de RH, sem envolver o chefe imediato.
Ou seja, não deve haver mais a clássica entrevista pelo superior imediato do profissional a ser admitido. São estas entrevistas finais que dão margem a subjetividades, preconceito e assédios diversos. Normalmente, os motivos de negação do profissional são por fatores alheios a especificação de competências, o que não pode ser mais permitido.
Missão 2: Integração das pessoas
Integração é o processo estruturado para evitar que os colaboradores recém contratados sejam “jogados” para o exercício de seus papéis sem o devido preparo para tanto. Portanto requer que, antes de que metas e objetivos sejam acordados, eles estejam considerados plenamente aptos para a execução de suas atribuições.
Não consiste em apenas submeter o profissional a assistir aqueles vídeos institucionais da empresa. Integração é muito mais que isto. É uma sequência estruturada de intervenções técnicas e até comportamentais que tem a intenção de preparar o indivíduo a assumir suas responsabilidades específicas a realidade da organização. No final da etapa de integração duas são as possibilidades: apto (efetivação da contratação) ou inapto (descontinuidade da efetivação).
Nada de colocar um crachá no colaborador escrito “em treinamento” e deixá-lo sozinho trabalhando. Vemos isto de forma muito recorrente nos supermercados do mercado brasileiro. Um caixa, com este crachá, trabalhando sem ninguém a seu lado. Isto é fazer do cliente uma cobaia e não tem nenhuma conexão com integração.
Uma vez que o profissional ultrapasse a fase de integração e seja considerado apto ao trabalho, com metas e objetivos acordados, então faz-se necessário programas de capacitação e desenvolvimento humano. Nesta abordagem é importante que seja compreendida a diferença entre capacitação e desenvolvimento.
Missão 3: Capacitação e Desenvolvimento das pessoas
Entende-se por Capacitação as ações de dar capacidade a quem não a tem, portanto dirigido a pessoas que auferem baixa performance em relação as suas metas e objetivos. Alinhado a esta premissa é fundamental que a organização detenha de processos estruturados para que as ações de capacitação sejam decididas a partir da constatação de performance inferior as expectativas e que não seja uma forma de reconhecimento da pessoa.
O famigerado LNT – Levantamento de Necessidades de Treinamento (ou também chamado de DNT – Diagnóstico de Necessidades de Treinamento) não deve ser realizado com base nas premissas clássicas levando em conta a opinião ou anseios dos chefes, dos colaboradores ou ainda das alternativas de conteúdos disponíveis do mercado. A necessidade de capacitação deve se dar única e exclusivamente pela constatação de baixa performance, e mais nada!
Ninguém MERECE uma capacitação, apenas precisa dela para se manter em seu papel com performance suficiente.
Por Desenvolvimento entende-se as ações de fornecer competências atualmente lacunares a alguém que não tenha problemas de performance, mas tem-se o objetivo de prepará-lo para papéis ainda não assumidos e mais exigentes (sucessão ou promoção). Ou ainda para circunstâncias que possam contribuir com melhorias ou transformações ou ainda para maximizar a consciência integral do indivíduo como ser humano.
Alinhado a esta premissa é fundamental que a organização detenha de processos estruturados para que as ações de desenvolvimento sejam decididas a partir da constatação de performance superior as expectativas e que seja uma forma de melhor aproveitamento da pessoa na organização.
Em síntese, a pessoa não precisa de capacitação, mas MERECE ser desenvolvida, caso contrário. é provável que a organização não consiga reter o profissional na empresa.
Missão 4: Avaliação da Eficácia das ações de Capacitação e Desenvolvimento
Como complemento aos esforços de capacitação e desenvolvimento, é fundamental que existam metodologias estruturadas para avaliação da eficácia das ações empreendidas. Mas sem considerar os clássicos instrumentos de avaliação de percepção ou de aprendizado, que não caracterizam a eficácia das ações empreendidas de fato.
Avaliação de Percepção nada mais são do que formulário que pesquisam o nível de satisfação do colaborador em relação a ação empreendida. Embora sirva de munição para conduzir melhorias nas ações, nada tem de eficácia nesta mensuração.
Avaliação de Aprendizado nada mais são do que provas que testam se o indivíduo aprendeu o mínimo desejado do conteúdo da ação empreendida. Caso ele tenha aprendido de forma satisfatória, não expressa necessariamente uma aplicação daquele aprendizado a ponto de gerar algum tipo de efeito satisfatório. Nada tem de eficácia, portanto, apenas a comprovação de níveis suficientes de aprendizado.
A eficácia das ações de capacitação devem ser avaliadas em relação a melhoria dos indicadores ruins que justificaram a ação de capacitação propriamente dita. Se o indicador melhorou depois da capacitação, eficácia comprovada. Se não, a ação de capacitação não foi eficaz, Simples assim!
Os profissionais de Recursos Humanos precisam compreender que eficácia das ações de desenvolvimento devem ser avaliadas em relação ao grau em que as pessoas desenvolvidas foram efetivamente aproveitadas em novos papéis, em relação as melhorias ou transformações advindas destas ações ou mesmo do aumento do nível empregabilidade do indivíduo.
Missão 5: Remuneração e Reconhecimento
Remuneração e Reconhecimento são dois conceitos distintos que os profissionais de Recursos Humanos precisa estar atento. Inclui a tão discutida Meritocracia e seus impactos.
Em síntese, estes conceitos exploram como a organização estruturou as políticas de remuneração pelos trabalhos realizados, políticas de reconhecimento pelo trabalho de performance superior e políticas de consequências para performances sustentadamente inferiores.
Remuneração é a retribuição por serviço ou favor prestado, uma espécie de gratificação “em dinheiro” (direto) ou “em benefício” (indireto) pelo trabalho realizado, também chamado de salário. Muitas vezes salário é considerado toda contraprestação ou vantagem paga ou representada em dinheiro e concedida diretamente pelo empregador ao empregado em decorrência do contrato de trabalho e remuneração. Ele indica o total global dos ganhos recebidos pelo trabalhador, incluindo os benefícios indiretos.
É fundamental então que a organização detenha de processos estruturados para assegurar que a percepção de remuneração não tenha conexão com os níveis de performance dos ocupantes e não seja refém de algum critério discriminatório.
Já o Reconhecimento é o merecimento adicional a remuneração, normalmente variável, por serviço ou favor prestado em níveis de performance considerados acima de referenciais previamente estabelecidos e acordados entre as partes. Tem total conexão com os níveis de performance dos ocupantes e consiste num complemento a remuneração.
É muito importante também que a organização detenha de processos estruturados para assegurar que a percepção de reconhecimento seja decorrente de um sistema de consequências a partir da constatação de performance superior aos níveis acordados formalmente entre as partes tem como foco a pessoa e nada mais.
Da mesma forma, desempenhos sustentadamente inferiores podem acarretar punições por meio exclusivo de demissões reguladas por lei. Não se justifica mais, em pleno século XXI, qualquer ação intimidatória ou repreensora ao indivíduo que não performa adequadamente. A única ação permitida é a demissão, mais nada!
Missão 6: Diagnóstico, Análise e Mudança de Cultura
Em adição as clássicas Pesquisas de Clima Organizacional, que servem para medir o grau de estar-bem e bem-estar dos colaboradores no âmbito do ambiente de trabalho, é mais emergente incluir estruturas para Diagnóstico e Análise de Cultura Organizacional vigente e o decorrente planejamento de sua mudança.
Esta missão requer um artigo específico para tanto. Não obstante, fiz um vídeo que aborda um pouco desta questão. Vale a pena assistir abaixo:
Onde a Gauss pode ajudar na construção do RH do Século XXI
Todas estas questões são tratadas no RT 7 dos REPG. São requisitos que constroem um novo escopo de Gestão de Pessoas nas organizações que pretendem desenvolver-se de forma alinhada as demandas do século XXI. Para tanto, antes precisaremos “acordar” os profissionais de Recursos Humanos de forma que ele assuma seu papel de agente de mudanças e, por conta desta conscientização, se prepare para este desafio.
Temos um vídeo rápido para cada um dos SRT do RT 7 dos REPG e um específico sobre o SRT 4.2 sobre Cultura Organizacional. Se quiser acessar cada um deles, creio que possa ter uma idéia da sua essência e, quem sabe, encorajar-se a aperfeiçoar-se mais e melhor nos REPG. Vide abaixo os links:
- SRT 4.2 – Cultura Organizacional e Gestão da Mudança: clique aqui
- SRT 7.1 – Recrutamento, Seleção e Integração: clique aqui
- SRT 7.2 – Capacitação e Desenvolvimento: clique aqui
- SRT 7.3 – Remuneração e Reconhecimento: clique aqui
- SRT 7.4 – Saúde e Segurança do Trabalho: clique aqui
- SRT 7.5 – Ambiência e Clima Organizacional: clique aqui
Bons estudos. Se precisar de mais, estamos a disposição para conversar a respeito. Agende uma reunião comigo para conversar sobre este artigo: clique aqui e marque sua reunião