A Primazia da Gestão seria uma ciência, uma técnica ou uma arte? Pensar nestas alternativas tem sido um dilema e tanto para uma grande quantidade de estudiosos no assunto. Eu mesmo, sempre me questionei sobre esta questão.

Foi a partir desta reflexão e ponderação que desenvolvi uma abordagem para esclarecer estas diferenças e expressar, de forma clara, qual seria a premissa que nos orientou para construir os REPG.

Como poderíamos definir Gestão

Quando pergunto aos meus alunos de pós-graduação, ou até para os participantes de minhas palestras e/ou cursos corporativos, o que significa a palavra Gestão, as respostas são diversas.

Excluindo-se a idéia cômica de que a gestão representa um gesto grande, as pessoas costumam citar verbos sinônimos que remetem a idéia de gestão, tais como: administrar, liderar, comunicar, convencer, orientar, delegar, treinar, monitorar, engajar, motivar, sensibilizar, inspirar, entre muitas outros.

O grande problema é que a maioria sequer diz a palavrinha mágica que expressa a essência da palavra gestão: o verbo interferir. Esta sim é a palavra ideal que resume a função do que seria gerenciar, o verbo da gestão.

Gestão pode ser definida como o ato de interferir (ativa ou passivamente) nos processos de uma organização, com vistas ao alcance dos objetivos ainda não conquistados ou reversão de tendências negativas. Tudo isto monitorado a partir de um sistema estruturado de indicadores.

Interferência ativa é aquela que se caracteriza com alguma atitude de alguém externo ao problema, que o percebe como um desconforto emocional a ser sanado, e que procura resolve-lo. Algo não está bem e alguém externo faz alguma coisa para resolver o desconforto emocional.

Interferência passiva é aquela que se caracteriza por acreditar que os próprios atores do processo serão capazes de perceber o problema (desconforto emocional) e de resolve-lo sem a necessidade da interferência ativa. Embora o problema seja percebido por alguém externo, há a confiança de que apenas o monitoramento e a consciência dos envolvidos seja suficiente para resolver o desconforto emocional.

Gestão é a prática de INTERFERIR (ativa ou passivamente) em algum sistema (seja empresarial, familiar, social ou até mesmo pessoal) quando o estado de “conforto emocional” foi subtraído ou colocado em risco, com vistas ao merecimento do retorno ao estado de conforto emocional anterior.

Quais as diferenças entre ciência, técnica e arte

A questão é se esta interferência (ativa ou passiva) é algo preponderantemente científico, seria mais técnico que científico ou meramente artístico?

A técnica tem como objetivo manipular a realidade sem querer explicá-la ou mesmo entendê-la. Contém regras, normas e procedimentos documentados que retroalimentam a ciência com eventuais impotências de manipulação com o atual grau de conhecimento. Exemplo: basta aprender a técnica: se colocarmos um grão de feijão na terra e regarmos com água, depois de um tempo, nascerá um pé de feijão. Esta constatação basta para aplicar e replicar a técnica.

A ciência não cria as coisas nem objetos, estes já existem e a ciência procura conhecê-los, explicá-los e predizer seu comportamento. Baseiam-se em hipóteses, teorias, leis, modelos e postulados. Exemplo: não basta aplicar e replicar a técnica de plantação de feijão, é necessário compreender como este processo funciona e, por meio desta curiosidade maior, descobre-se o fenômeno da fotossíntese, de que não precisa ser terra (poderia ser algodão) e que a ausência do sol inviabiliza totalmente o funcionamento da técnica.

A arte é expressa de forma individual, pessoal, subjetiva e vivencial (intransferível portanto). Seu resultado pode comunicar alguma coisa (ou não) aos outros indivíduos. Quem eventualmente não entender uma obra de arte é considerado menos sábio ou insensível. A arte não impõe rigor, sem quaisquer imposições, com a flexibilidade que a personalidade e o estilo de cada indivíduo impõe e com toda a captação vivencial, emocional e espiritual da realidade que o indivíduo sente, percebe e palpita. Exemplo: ninguém consegue treinar ou formar outro artista da bola como Pelé, porque sua arte é única e intransferível. Totalmente subjetiva.

Uma boa evidência destas diferenças: futebol & voleibol

Sempre exemplifico este conceito fazendo referência ao desempenho da seleção brasileira masculina de futebol em comparação com a seleção brasileira masculina (ou mesmo feminina) de vôlei.

Embora estejamos isolados por termos sido 5 vezes campeões do mundo de futebol masculino (1958, 1962, 1970, 1994, 2002) sempre conquistamos estes títulos por causa de algum jogador específico. Estes jogadores fizeram a diferença por serem craques (Pelé em 1958, Garrincha em 1962, Pelé novamente em 1970, Romário em 1994 e Ronaldo Fenômeno em 2002). Este fato justifica que valorizamos mais os dotes artísticos e não estruturados processualmente do que o contrário.

Em contrapartida, se contarmos somente até 2010, a seleção brasileira masculina de Vôlei foi 9 vezes campeã da Liga Mundial da Federação Internacional de Voleibol (1993, 2001, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2009 e 2010). Foi também 2 vezes medalha de ouro em Olimpíadas (Barcelona em 1992 e Athenas em 2004) e 3 Vezes Campeã do Mundo consecutivamente (2002, 2006 e 2010). Em todas estas conquistas a arte foi substituída por muita medição, por um senso de equipe e de treino, muito treino. A nenhum jogador específico é atribuída a responsabilidade pelas conquistas. As gerações de jogadores e de técnicos de vôlei têm até mudado, mas os resultados tem-se mantido de forma sistemática e estruturada.

Outra evidência no ambiente corporativo: SBT & GLOBO

Outro bom exemplo da gestão artística em comparação a gestão técnico-científica são as realidades do SBT em relação a GLOBO. Ambas organizações exemplares em sua trajetória, mas com diferenças de metodologia de gestão bastante significativas e alusivas a nossa abordagem deste artigo.

Se lembrarmos de alguém específico do SBT, Senor Abravanel (vulgo Silvio Santos, como todos o conhecemos), então teremos como preponderância a gestão artística, totalmente personalizada. Ele parece tomar as decisões de forma peculiar, sem considerar evidências ou pesquisas, submetendo-se apenas a seu feeling extremamente aguçado.

Em contrapartida a este estilo, temos a REDE GLOBO. Isto porque, o método GLOBO de ser gerido extrapola as regras e vaidades do Roberto Marinho, que morreu em 2003 com 99 anos de idade. O padrão GLOBO de gestão tem como preponderância uma abordagem totalmente técnico-científica.

A Primazia da Gestão deve privilegiar qual destas três?

Se você disse que a gestão deve ser uma mescla dos 3 conceitos, é uma boa forma de ficar em cima do muro! O que precisamos fazer aqui é defender que a gestão deva ser caracterizada com alguma predominância. Ou seja, preponderantemente como uma mescla entre técnico-científica, mas jamais artística.

Uma gestão marcada por atitudes eminentemente artísticas não pode ser a ênfase. Quando se propõe um referencial de Primazia da Gestão, é um pressuposto de que a preferência seja técnico-científica em detrimento da artística.

Creio que podemos dizer, sem muito medo de errar, que a gestão do voleibol é mais técnico-científica que a do futebol. Que a gestão da GLOBO é mais técnico-científica que a do SBT.

Não se trata de comparar organizações vencedoras com as perdedoras. Ambos os exemplos citados anteriormente tem conquistados seus resultados de forma sustentada. Mas me parece mais coerente preferir os métodos técnico-científicos dos que os métodos artísticos.

Todos os postulados da Primazia da Gestão, por meio dos REPG, tendem para uma proposta muito mais técnico-científica. Em contrapartida, isto não quer dizer que uma abordagem artística não seja bem-sucedida, muitas vezes o é, mas não podemos mais depender deste feeling.

Estamos no momento da GESTÃO substituir o GESTOR.
A Primazia da Gestão precisa ser uma realidade técnico-científica, portanto APESAR do dote artístico dos gestores.

Quem prefere a gestão técnico-científica, escolhe aderir a Primazia da Gestão. Ao contrário, quem prefere a gestão artística, opta pela “Tocação” empresarial (afinal de contas, muitos gestores simplesmente “tocam” o seu negócio).