A grande maioria das lideranças não são somente “ocupadas”, mas preponderantemente “despreparadas” e “superficiais” em seus conhecimentos. E quanto maior o nível hierárquico, pior a coisa fica. Se assim se mantiverem, não serão capazes de adequar-se a Liderança Transformacional.

Na minha experiência de mais de 35 anos na atividade de consultoria de organizações, tenho convivido com muitas lideranças, dos mais diversos níveis hierárquicos, das mais diversas organizações (públicas, privadas e do terceiro setor), do Brasil e de outros países. A partir deste convívio tenho diversas visões a compartilhar neste artigo, principalmente na distância que estamos da Liderança Transformacional

Por que a liderança atual é despreparada para a Liderança Transformacional

Um profissional, na maioria das vezes, é alçado a liderança sem, realmente, ter exercido a liderança uma única vez sequer. Normalmente, é uma pessoa que ocupa uma função operacional, mais ou menos complexa, e por ser reconhecido como exemplar nesta função (que não é de liderança, reitero), acaba se transformando em “chefe”, “gerente”, “gestor”, “diretor” ou qualquer nome da hierarquia.

Esta alternativa de “subir” na hierarquia é a única alternativa para ser reconhecido ou para ganhar mais. Em síntese, um paradigma e uma deformação da estrutura clássica de comando e controle. Ela vai sucumbir, em breve, com as novas alternativas de governança.

Este “chefe”, promovido por ser exemplar em seu função anterior, acaba tendo seus primeiros subordinados do dia para a noite. A necessidade de “liderá-los” é confundida com “comandá-los” ou ainda com “dar-lhes ordens e demandas de trabalho”.

A tendência, a partir de então, é construir relacionamentos de autoridade e não de mentoria ou de facilitação do trabalho, o que, na verdade, nunca existira até então. Como ele fora bem sucedido por ser exemplar na função anterior, tende a se relacionar com seus subordinados inclinando-se a criar cópias de si mesmo, uma vez que seu exemplo fora considerado adequado.

As iniciativas de liderança em si nunca foram debatidas, explicadas, nem tampouco treinadas ou desenvolvidas. São uma sequência de experiências práticas que o recém promovido a liderança acaba executando do jeito que dá, por absoluta tentativa e erro. Sem qualquer ajuda ou suporte de ninguém.

E, se alguma coisa der errado, a alegação clássica é que o profissional tem problemas de liderança. Que surpresa não!? É por isto que hoje em dia existem tantos cursos no mercado com o apelo de Desenvolvimento de Lideranças de Alta Performance. Simplesmente porque estes profissionais carecem deste desenvolvimento.

Líderes ocupados. Será mesmo?

Outra característica recorrente dos líderes com quem convivi é que são muito ocupados. Sempre com tempo restrito para se aprofundar em algum assunto e priorizando ações de representação e não de gestão propriamente dito. Sim, é verdade, fiz até uma sondagem numa época de minha vida neste sentido.

Levando-se em conta os líderes da alta administração (expressão que foi retirada dos REPG por representar o século passado), cerca de 80% do tempo de um líder deste nível é dedicado a deliberação por meio de despachos (burocracia doentia), representação institucional ou política (sair na foto) e reuniões diversas (algumas produtivas e outras ao contrário). Apenas 20% de seu tempo é para se aprofundar em algum assunto ou se desenvolver melhor em algum tema.

Ou seja, ele simplesmente não melhora como profissional (ou melhora muito pouco), apenas usa o que aprendeu até aquele momento. Seu aprendizado restringe-se apenas as experiências do dia-a-dia, na prática.

O que pude observar, e de perto, é que eles não são ocupados não, nem perto disso. Eles são mesmo péssimos gerenciadores de tempo e priorizadores de somente conversar sobre o que sabem e não sobre o que é preciso.

Tanto isto é verdade que, para ultrapassar o tempo que ele dedica a uma determinada reunião ou atividade, basta tocar sua vaidade e ele deixará o tempo completamente de lado. Na verdade isto funciona com qualquer pessoa, chama-se “raport” (uma técnica ensinada em PNL), mas com eles isto é exponencialmente maior.

Muitos também defendem-se no tempo restrito (estar demasiado ocupado) para poder ser superficial com as pessoas. Uma defesa clara para o despreparo em conversar sobre assuntos que ele não domina, mas teria que dominar (pelo menos na percepção dele). Ao invés de capitalizar o despreparo e capacitar-se, ele simplesmente alega ter pouco tempo, estar ocupado demais.

Líderes superficiais é mais comum do que você pode imaginar

Não é esperado que os profissionais que cheguem a um papel de liderança sejam tão especialistas quanto àqueles que executarão papéis mais operacionais. É exatamente o contrário. Não somente as lideranças, mas quaisquer pessoas, deverão desenvolver muito mais a capacidade de ser generalista do que especialista. Isto é uma constatação cada vez mais recorrente.

Isto não quer dizer que serão desvalorizadas as pessoas que priorizaram atuar mais como especialistas. Mas que, além das especialidades, todos teremos que desenvolver a capacidade de conversar (com alguma profundidade) sobre temas que fogem de sua especialidade. Isto requer curiosidade acima da média e um senso de elasticidade bem forte.

O grande problema que observo nas lideranças de mais alto nível é que, curiosamente, eles desenvolveram apenas o generalismo superficial, pois não desejam se especializar, ou minimamente se aprofundar, em absolutamente nada. Claro que existem exceções, mas a maioria é assim mesmo.

Estes se transformam em faladores oficiais de temas que simplesmente ignoram. Mas com pompa de dominar o assunto. Muitos assumem até já terem ouvido falar do assunto, mas defendem posições e conclusões que não seriam passíveis de existirem diante de tanta superficialidade.

Como decorrência desta superficialidade, compreendem mal seus subordinados sobre suas propostas (alguns são especialistas), falam muitas inverdades e tomam decisões absurdas ou irresponsáveis. Enfim, mais prejudicam do que ajudam.

Como disse, não se espera que sejam especialistas. O que não pode é apenas serem generalistas. Pois assim, se transformam apenas em superficiais e isto prejudica a Liderança Transformacional.

Já vi e ouvi tanto absurdo saindo da boca de líderes do alto escalão, que, confesso, me gerou mais decepção do que orgulho ao longo de minha jornada de 3 décadas. Mas, como são poucos os que dizem, com clareza, que ele falou baboseira, o líder superficial fica achando que foi o máximo.

Líderes, em prol do respeito e da subordinação, são enganados o tempo todo

Já vi muitos profissionais chamarem seus líderes somente pelo cargo que ocupam e simplesmente não utilizarem o nome deles nas relações transacionais corporativas. Nas forças armadas (exército, marinha e aeronáutica) isto é bem mais comum, mas mesmo assim, depois da patente vem o nome do cidadão.

Algumas vezes, poucas, é o líder que faz esta exigência. Mas, na grande maioria das vezes é o subordinado que assim prefere. Muitas vezes o que se observa não é subordinação, mas uma submissão cega e deprimente. Uma subserviência tóxica.

Tratam o líder como se ele fosse um Deus Grego, um ser maioral, quando ele apenas está ali, tem um cargo, mas não é aquilo. Ser é bem diferente de ter/estar. É o ser que deveria ser valorizado, mas alguns preferem explorar muito mais o ter e o estar.

Quantas vezes eu já vi um líder do alto escalão convocar seus subordinados a reuniões emergenciais, exigindo que quaisquer outros compromissos que estejam sendo realizados (ou devidamente agendados com antecedência) sejam sumariamente cancelados em prol da convocação deste. Um claro desrespeito a quem esteja envolvido no evento cancelado.

E os subordinados se submetem a esta circunstância! Fazem isto com constrangimento evidente, mas ainda assim o fazem. São poucos os que se manifestam para expressar que este tipo de presunção é inadmissível nos tempos modernos. Respeitar este tipo de prática, não é render-se a subordinação, mas render-se a subserviência tóxica. Isto precisa acabar!

Este puxa-saquismo e subserviência tóxica só alimenta a enganação. O líder tem a impressão de que é respeitado e de que realmente manda, mas na verdade a base de tudo é o medo que os outros tem de sua retaliação. Líderes que operam pelo medo, em detrimento da lógica e do carisma, precisam sucumbir das organizações.

O que fazer diante deste cenário para construir a Liderança Transformacional

Uma organização orientada para a Primazia da Gestão não prescindirá de líderes, pelo contrário, cada vez mais líderes de verdade serão vitais. Mas não líderes submersos numa estrutura hierárquica clássica, e sim líderes distribuídos holacraticamente e regidos a partir do conceito da Liderança Transformacional (veja o vídeo abaixo onde expliquei sobre este conceito):

Eu particularmente cansei de esperar o engajamento das lideranças nos assuntos de maior relevância, tais como: primazia da gestão, cultura organizacional, comportamento humano, entre outros. Não se trata de falta de engajamento, é falta de preparo mesmo. Excesso de superficialidade e, principalmente, arrogância de considerar que aprender não se aplica mais.

Reitero que existem exceções, mas a regra é, infelizmente, na minha experiência, a descrita acima. Com esta massa de líderes com este perfil, vão sofrer para adaptar-se a Liderança Transformacional.

O que fazer diante deste cenário? Colocar as lideranças nas salas de aula para aprender o que desconhecem. Coisa que raramente fazem, a não ser que seja em escolas caras que possam fornecer alguma prova social de estatus. E de preferência, secretamente, pois nem sempre é bacana difundir muito que está estudando. Parece uma evidência assumida de inferioridade.

Mas, como são muito ocupados, vão alegar que não tem tempo para se dedicar a estudar ou mesmo que não é preciso. E aí fica assim: a primazia da gestão e a empresa sendo assassinada gradativamente.

Nós aqui temos uma alternativa para ajudar nesta compreensão do que significa Primazia da Gestão e como deveria, todo líder, principalmente os de alto escalão, se submeter adotando um referencial de exemplaridade (a bíblia da PJ).

Não precisamos apenas de líderes engajados, precisamos de líderes melhores, mais preparados, menos superficiais, menos arrogantes, menos corruptos, menos vaidosos, mais mentores, mais facilitadores e, principalmente, mais inteligentes sob o ponto de vista comportamental.