Este artigo tem como objetivo tratar de forma mais detalhada a tirania dos métodos de Recrutamento e Seleção vigentes e aplicados nas organizações em geral. Esta tirania acaba reforçando a manutenção de critérios preconceituosos e subjetivos que não asseguram a diversidade nem tampouco valorizam a performance superior.

Os profissionais de RH tem-se demonstrado incapazes de alterar esta tirania, não porque sejam insensíveis a esta deformação, alguns poucos até o são. Mas por que, ou são subservientes as ordens dos superiores que reforçam a tirania, ou são incapazes de fazer de forma diferente.

Os métodos tradicionais de admissão de pessoas

Tudo começa com a necessidade de encontrar uma pessoa para energizar um papel (quando nos referimos ao design organizacional holacrático) ou, mais tradicionalmente, para ocupar um cargo/função (quando nos referimos ao design organizacional hierárquico clássico).

O primeiro passo é que ativemos o subprocesso de recrutamento. Ele consiste em métodos para buscar pessoas (dentro da organização ou no mercado) que estejam relativamente aderentes a uma determinada especificação de competências imprescindíveis ao exercício eficiente, eficaz e efetivo das atribuições daquele papel ou cargo/função. O recrutamento filtra então os interessados na “vaga”, a partir desta especificação de competências, a ponto de separar o joio do trigo, ou seja, os aderentes dos não aderentes.

O segundo passo é apenas com os aderentes do subprocesso anterior. Trata-se do subprocesso de seleção. Significa escolher a melhor alternativa dentre os recrutados. Em outras palavras, o foco é descobrir quais as diferenças entre aquelas pessoas consideradas aderentes a especificação de competências, com o objetivo de selecionar a melhor alternativa para a organização (ou as melhores).

O terceiro passo é apenas com os selecionados do subprocesso anterior. Falamos do subprocesso de entrevistas com os superiores hierárquicos. Refere-se a uma etapa de submissão dos candidatos selecionados para ser avaliado pelos superiores hierárquicos com quem a convivência será real. Nesta etapa é que a escolha definitiva poderá acontecer (para ser ativado o subprocesso de contratação propriamente dito) ou simplesmente reprova-se todos os candidatos que chegaram até aqui e recomeça-se tudo novamente.

Há ainda um quarto passo. Caso a escolha seja feita, configura uma fase experimental para avaliar a performance no dia-a-dia do contratado. Se o desempenho for considerado satisfatório, a contratação passa pela fase de experiência e se consolida, caso contrário, a rescisão contratual acontece e tudo recomeça novamente.

Qual seria então a tirania dos métodos de recrutamento e seleção?

Tirania 1: A falha da especificação de competências

Esta primeira tirania refere-se a imperfeição das famigeradas especificação de competências que privilegiam especificações técnicas e desconsideram as especificação de traços comportamentais.

Normalmente estas especificações contemplam:

  • Formação acadêmica mínima: algo que assegure uma formação completa decorrente do sistema educacional formal vigente. Esta formação é comprovada por apresentação de algum tipo de diploma, histórico escolar, ou inscrição no conselho regional profissional pertinente;
  • Cursos específicos: algo que complemente a competência acima e normalmente específico a realidade da organização, que não está presente no sistema educacional formal. Estes cursos são comprovados por apresentação de certificados de participação, listas de presença assinadas ou mesmo testes de avaliação de aprendizado;
  • Experiência: alguma competência sem que seja exigido lastros anteriores, ou seja, algo que a pessoa saiba pela mera experiência, sem que seja decorrente de uma formação acadêmica formal ou de algum curso específico. Uma pessoa pode saber inglês por ter morado no exterior ou porque fez um curso formal de inglês com algum certificado de proficiência.

Perceba que a especificação clássica não detém de quaisquer requisitos comportamentais. O que se constata é que as pessoas são contratadas pelos requisitos técnicos (formação acadêmica, cursos específicos e experiência), mas acabam sendo demitidas pelas circunstâncias comportamentais. Uma falha recorrente!

Quando estas competências comportamentais são especificadas (uma exceção, quero frisar) assim a são de forma amadora ou inadequada. Limitam-se a especificar meras intenções de reações que mais se assemelham a exigências infantis. Especificam necessidades comportamentais subjetivas, genéricas e inespecíficas, tais como: resiliência, capacidade de resolver problemas, senso de automotivação, capacidade de liderança, senso de urgência, entre outras.

Raramente especificam traços comportamentais legítimos, que distinguem reações das emoções primárias. Além disto, não se define como será possível reconhecer sua presença ou ausência na pessoa. Com quais instrumentos estas especificações serão avaliadas. Fizemos um vídeo sobre isto, assista:

Tirania 2: A premissa da meritocracia nos subprocessos de recrutamento e seleção

O pressuposto básico destes subprocessos é que o resultado final assegure que a pessoa escolhida realmente tenha “merecimento” pela contratação. Um efeito da exemplaridade do recrutamento e da seleção. Mas o fato é que, mesmo que as especificações de competências fossem feitas com as correções das falhas que explicitamos acima, ainda assim a meritocracia seria questionável.

Explicar a tirania meritocrática do recrutamento e seleção é tarefa complexa num artigo pequeno e superficial como este. Mas quero resumir este fundamento a partir do que pude aprender com os livros de Michael J. Sandel, especialmente os seus best sellers: Justiça – O que é fazer a coisa certa e A Tirania do Mérito – O que aconteceu com o bem comum.

Neles, Michael Sandel defende, com base em diversas abordagens, que o simples fato de privilegiar as competências que alguém detém em detrimento a quem não as tem é um critério que nada tem de merecimento. Poderíamos chamar isto de quaisquer nomes, mas não de meritocracia.

Explico. Não se pode dizer que determinada pessoa realmente mereça ter adquirido tal distinção de competência, uma vez que sua aquisição pode ter sido justificada por pertencer a uma classe social que mais tem tido acesso a estruturas acadêmicas de ponta. Nem tampouco pode-se dizer o simples talento nato seja algo digno de merecimento.

Neste contexto, as pessoas bem sucedidas destes subprocessos são mais fortificantes da desigualdade do que resolvedores. Estes critérios não podem ser considerados o remédio para as desigualdades, mas apenas a justificativa para elas.

Daí a importância de subprocessos que admitam cotas de diversidade capazes de atender as representações que a sociedade reclama. Não é tarefa simples considerar todas as demandas. Mas que seja função organizacional desenvolver, pós admissão, as competências das pessoas contratadas, e não apenas o contrário.

Tirania 3: A necessidade da entrevista final com os superiores hierárquicos

A clássica necessidade de levar os selecionados para avaliação pelos superiores hierárquicos, com quem o contratado vai efetivamente conviver, é uma oportunidade para exercitar a subjetividade, o preconceito e as preferências pessoais que não estão na especificação de competências.

Quando o “chefinho” escolhe alguém, assim o faz por requisitos estranhos a especificação de competências, cuja exposição, caso fosse feita, é totalmente justificadora de critérios que facilmente seriam passíveis de serem rotulados como questionáveis. Esta escolha final é campo árido para exercício da vaidade, do egocentrismo e até do assédio.

Quando o “chefinho” não escolhe ninguém, a afronta é maior ainda. Pois ele desconsidera e banaliza a validade de todos os subprocessos anteriores. Trata os esforços anteriores como perda de tempo e nitidamente desvaloriza a especificação de competências que fora utilizada como parâmetro de tudo. É um desrespeito inadmissível!

Então qual a sugestão? Simples, adotar as práticas da série STAR TREK. Na premissa da Confederação dos Planetas Unidos que gerencia a Frota Estelar, nunca se viu algum capitão entrevistando quem quer que seja para escolher quem seria seu Primeiro Oficial. Nem tampouco ele participa da definição de nenhum dos membros da tripulação de sua nave. Isto é prerrogativa dos subprocessos existentes e não de nenhum “chefinho” vaidoso e egocêntrico.

Cabe aos atores dos subprocessos anteriores (normalmente da área, ou círculo, de Gestão de Pessoas) definirem os contratados sem que seja necessário qualquer tipo de entrevista final pelo superior hierárquico. Este simplesmente recebe os contratados e, no máximo, terá a chance de devolvê-lo no período de experiência. Isto ainda submisso a existência de evidências, por meio de indicadores ruins, serem demonstrados de forma consistente.

A Holacracia é a única estrutura de governança que viabiliza isto. Mas não basta, as lideranças precisarão abrir mão de poder, e isto exige mudança da cultura organizacional.

Tirania 4: O período insuficiente de experimentação para avaliar performance

Aquela fase de experimentação onde se pode observar se o contratado performa (ou não) é legítima e precisa ser um parâmetro para definir a continuidade da pessoa na organização. Mas não é esta prática que caracteriza a tirania.

O que não podemos fazer é considerar um período de 3 meses (90 dias), como a lei estabelece como suficiente para aplicação deste período de experimentação. É aqui que reside a quarta tirania dos métodos de recrutamento e seleção.

Muitos papéis ou cargos/funções exigem muito mais que 3 meses para completar o período de experimentação. Aqui ativamos o subprocesso de integração. Este subprocesso é responsável pela execução de uma espécie de trilha de capacitações internas, específica às atribuições daquela organização. Esta trilha habilita o contratado para que as cobranças de performance sejam iniciadas a partir de então.

Antes de ser completada esta trilha, não se deve começar a observação de performance, típica da experimentação. Portanto a experimentação deve ser feita após completada a fase de integração, mas infelizmente não é que acontece.

Algumas atribuições mais técnicas exigem um período de integração (para execução da trilha de capacitações completa) de bem mais que 3 meses, as vezes 6 ou até 12 meses. Somente depois deste período é que deve começar esta avaliação de performance propriamente dita.

Para piorar, existem também organizações que simplesmente não detém de forma estruturada desta trilha de capacitações, típicas do subprocesso de integração. O que elas acabam tendo é aquele período, que chamam erradamente de integração, mas que nada mais é do que a mera apresentação formal da organização para a pessoa e familiarização quanto as regras e deveres da empresa.

Como fazer para eliminar a tirania dos métodos de recrutamento e seleção?

Pode parecer jargão, mas o primeiro passo é reconhecer que sua empresa, ou você próprio, pratica a tirania dos métodos de recrutamento e seleção que explicitei. Muitas empresas e até profissionais de RH sequer param para refletir sobre o que foi exposto e este artigo. Esta consciência pode ser o primeiro passo para iniciar as reflexões e posterior correção de rumo.

Nosso SRT 7.1 (clique aqui e veja um vídeo resumo deste subreferencial temático) dos REPG – Referenciais de Exemplaridade da Primazia da Gestão trata bem destas questões como um referencial de exemplaridade a ser adotado pelas organizações no que tange aos subprocessos de recrutamento e seleção. Todos os requisitos deste SRT é aderente e procura eliminar estas tiranias.

Conheça os REPG (baixe agora o documento, é gratuito) e participe do movimento em prol da Primazia da Gestão que assegura que estas reflexões ponderadas neste artigo, e muitas outras, sejam resolvidas de forma gradativa e consistente.