No último artigo que publicamos no BLOG da Gauss falamos sobre o Voto Consciente como uma premissa da Primazia da Gestão (acesse aqui o artigo). Recebi algumas manifestações de pessoas que não entenderam nada sobre o Quociente Eleitoral. Não é mesmo um conceito simples, mas vou me dedicar aqui para ser o artigo mais didático que você já leu sobre este tema.

Os fundamentos do Quociente Eleitoral (ou também chamado de Coeficiente Eleitoral) não foram compreendidos por diversas pessoas, embora houvesse um link para Wikipédia. Compreender este fundamento é muito importante, pois faz muita diferença na apuração final dos votos e, por consequência, na definição de quem efetivamente será eleito.

Voto Majoritário e Voto Proporcional

As eleições para Presidente, Governador, Prefeito e Senador são feitas por meio da simples contagem dos votos majoritários (nominais). Ou seja, contam-se os votos dados aos respectivos candidatos e, quem conseguir 50% + 1 dos votos válidos (excluindo-se os nulos e brancos) é eleito. Nada mais simples e legítimo. Para Senador não existe segundo turno, portanto será eleito aquele que obtiver maior quantidade de votos nominais (não precisa ser 50% + 1).

Entretanto, nas eleições para Deputados (federal e estadual) e Vereadores (municipais) a definição de quem efetivamente será eleito não depende da simples contagem dos votos majoritários (nominais) em cada candidato. A eleição efetiva será feita a partir do que se chama de voto proporcional.

Eleições Proporcionais, ou simplesmente apuração por meio do voto proporcional, é um sistema eleitoral de vencedor múltiplo. Onde a proporção de cadeiras parlamentares ocupada por cada partido é diretamente determinada pela proporção de votos nominais + votos de legenda obtidos por ele.

Ou seja, aquele voto nominal, quando você escolheu um candidato específico (apenas para deputado federal, estadual ou vereador, reitero), é considerado, primeiramente como critério de ocupação das VAGAS reservadas a cada partido. Este voto nominal é contabilizado, a princípio, como voto de legenda, direcionado portanto a um determinado partido.

Exemplo: Quando voto para um determinado candidato de número 34598 (número específico de um candidato fictício), ele vai valer, a princípio, como voto de legenda (número 34) e, somente depois, é que será considerado a quantidade nominal de votos deste candidato.

Como são definidas as VAGAS nas Câmaras Legislativas

Esta questão é bem pouco explicada, mas precisa ser compreendida.

Para Deputado Federal, a Câmara Legislativa Federal detém 513 cadeiras a serem preenchidas. Neste caso, estas cadeiras foram divididas por estado, a partir da representatividade dos habitantes de cada estado (mínimo de 8 e máximo de 70). Desta forma, temos a seguinte quantidade vagas por estado (vide figura abaixo):

Vagas da Camara Legislativa

Para Deputado Estadual, a Câmara Legislativa de cada estado tem sua quantidade de cadeiras determinada mediante o artigo Art. 27. da Constituição Federal que diz: o número de Deputados à Assembléia Legislativa de cada estado corresponderá ao triplo da representação do Estado na Câmara dos Deputados, caso o número seja até 12 vagas de Deputado Federal. Ou seja, para estados com mais de 12 de vagas de Deputado Federal, abate-se 12 e acrescenta-se o limite de 36 vagas.

Exemplo: em São Paulo temos 70 vagas para Deputados Federais, sendo assim a quantidade de Deputados Estaduais será (70 – 12) + 36 = 94 cadeiras; em Santa Catarina temos 16 vagas para Deputado Federal, sendo assim a quantidade de Deputados Estaduais será (16 – 12) + 36 = 40 cadeiras; no Acre temos 8 vagas para Deputado Federal, sendo assim a quantidade de Deputados Estaduais será (8 x 3) = 24 cadeiras.

Para Vereador, a Câmara Legislativa de cada município tem sua quantidade de cadeiras determinada pela Constituição Federal, que limita o número de 55 cadeiras, no máximo, de forma proporcional ao número de habitantes no município (veja figura abaixo):

camara de vereadores

O que é Quociente Eleitoral (QE)

Compreendida a questão de como as vagas são estabelecidas para as Câmaras Legislativas, agora é possível explicar melhor a questão de como são feitas as apurações dos votos proporcionais.

Primeiramente, precisamos calcular o QE, que nada mais é do que a quantidade de votos válidos do pleito (retirando-se os nulos e brancos), para o cargo do legislativo, dividido pela quantidade de cadeiras que serão preenchidas, desprezada a fração se igual ou inferior a meio, equivalente a um, se superior (Código Eleitoral, art. 106). Em Alagoas, por exemplo temos 09 vagas para Deputados Federais. O QE seria a quantidade de votos válidos (legenda + nominais) dividido por 70.

Exemplo: vamos imaginar que em Alagoas (com 9 vagas para Deputado Federal) tivemos 1.900 votos para o Partido A, 1.350 votos para o partido B, 550 votos para o partido C e 2.250 votos para o Partido D (considerando a soma dos votos nominais + os de legenda). Além disto 300 votos foram em branco e 250 foram nulos. Desta forma temos 6.050 votos considerados válidos (1.900 + 1.350 + 550 + 2.250), que, dividido por 9 (vagas disponíveis para Alagoas) resulta num QE = 672,22222 (672, considerando o critério de desprezo da fração inferior a meio).

O exemplo acima significa o seguinte: Como o QE é 672, e o Partido C tem 550 votos (nominais + legenda), que é menor que o QE calculado, nenhum dos votos atribuídos àquele partido será considerado para ocupar alguma das 9 vagas. Apenas os candidatos dos partidos com votos (nominais + legenda) acima do QE é que podem ser eleitos. Logo, apenas os partidos A, B e D, que conseguiram atingir QE calculado, terão direito a preencher as vagas disponíveis.

O que é Quociente Partidário (QP)

Mas o QE não é suficiente para definir quem, de fato, será eleito. Com o QE definimos apenas quais partidos poderão ocupar, com seus candidatos, as vagas disponíveis. Agora ainda falta conhecermos o Quociente Partidário (QP), que defina quantos de cada partido poderão ocupar as 9 vagas.

O QP define o número inicial de vagas que caberá a cada partido que tenha alcançado o QE. Determina-se para cada partido o QP, dividindo-se pelo quociente eleitoral o número de votos válidos dados sob a mesma legenda, desprezada a fração (Código Eleitoral, art. 107).

Exemplo: Mantendo o estudo de caso anterior, temos 3 partidos  (A, B e D). Desta forma o QP do Partido A será 2 (1.900/672 = 2,8273809, desprezando-se a fração), o QP do partido B será 2 (1.350/672 = 2,0089285, desprezando-se a fração) e o QP do Partido D será 3 (2.250/672 = 3,3482142, desprezando-se a fração). Os números 2 + 2 + 3 = 7 vagas, são as vagas que cada partido poderá utilizar por conta do QP.

Estarão eleitos para ocupar as respectivas vagas, entre os candidatos registrados por um partido, os candidatos que tenham obtido votos nominais em número igual ou superior a 10% do QE, tantos quantos o respectivo quociente partidário indicar, na ordem da votação nominal que cada um tenha recebido (Código Eleitoral, art. 108).

Neste caso ainda faltam 2 vagas das 9 disponíveis, que serão definidos a partir de outro cálculo, o Cálculo da Média.

O que é o Cálculo da Média

Esta alternativa configura o método pelo qual ocorre a distribuição das vagas que não foram preenchidas pela aferição do QP dos partidos e a exigência de votação nominal mínima de 10%. Este método é também denominado, vulgarmente, de distribuição das sobras de vagas e obedece às seguintes regras:

I – o número de votos válidos atribuídos a cada partido será dividido pelo número de lugares por eles obtidos pelo cálculo do quociente partidário mais um, cabendo ao partido político que apresentar a maior média um dos lugares a preencher, desde que tenha candidato que atenda à exigência de votação nominal mínima de 10% do QE;

II – será repetida a operação para a distribuição de cada um dos lugares;

III – quando não houver mais partidos com candidatos que atendam às duas exigências do item I, as cadeiras serão distribuídas aos partidos que apresentem as maiores médias.

Exemplo da oitava vaga: A oitava vaga será do partido que obtiver a maior média. Desta forma a média do Partido A seria 1.900 / (2+1) = 633,33. A média do Partido B seria 1350/(2+1) = 450. A média do Partido C seria 550 / (0+1) = 550. E a média do Partido D seria 2.250 (3+1) = 562,5. Desta forma o partido A (maior média) ocuparia a vaga 8 das 9 disponíveis.

Exemplo da nova e última vaga: A nova vaga será do partido que obtiver a maior média desta segunda rodada. Desta forma a média do Partido A seria 1.900 / (2+1+1) = 475. A média do Partido B seria 1350/(2+0+1) = 450. A média do Partido C seria 550 / (0+0+1) = 550. E a média do Partido D seria 2.250 (3+0+1) = 562,5. Desta forma, agora será o partido D (maior média) ocuparia a vaga 9, última das 9 disponíveis.

Os problemas e deformações deste sistema de votos proporcionais

Nas eleições de 2018 para Deputado Federal, por exemplo, apenas 5,2% dos deputados eleitos (27 das 513 cadeiras da Câmara Legislativa Federal) foram definidas pelo voto nominal. As 486 cadeiras restantes foram definidas pelo sistema de apuração de votos proporcionais. Isto quer dizer que apenas 27 cadeiras foram definidas a luz da preferência legítima dos eleitores.

O problema é que a grande maioria das pessoas desconhecem este fato, infelizmente. O sistema de votos proporcionais tem uma boa intenção. Não obstante esta “boa intenção” considere um voto nominal tabulado, enganosamente, como voto na legenda.

Considerar meu voto nominal num candidato específico (de número 34598, por exemplo) uma expressão de que qualquer candidato do Partido que ele representa (de número 34, no exemplo citado) seja considerado legítimo é, no mínimo, uma afronta. Ou seja, considerar um voto nominal como expressão automática do voto de legenda é uma inadequação, para dizer o mínimo.

É por isto que alguns partidos, estrategicamente (pois conhecem bem as regras do sistema), lançam candidatos famosos. Estes “puxadores” de votos (tipo o comediante Tiririca) existem apenas para maximizar os QE e QP e viabilizar a eleição de candidatos que não teriam chance. Estas regras permitem que um candidato com pouquíssimos votos seja eleito (puxado) em detrimento a alguém que tenha sido bem votado. Isto é uma deformação do sistema ou não é?

Exemplo: Vamos supor que todos aqueles votos do Partido C, 550, tenham sido nominais a um candidato específico, e todos os demais candidatos dos demais Partidos A, B e D não tenham, sozinhos, mais que 550 votos. Desta forma, o candidato mais votado (campeão de votos do estado de Alagoas) simplesmente não seria eleito, pois o critério do QE não viabilizou que aquele partido ocupasse uma vaga das 9 disponíveis. Maluco isto não é?!

Mas o Quociente Eleitoral é importante para a Primazia da Gestão?

Me questionaram isto muito! E minha resposta é categórica: importantíssimo! Especialmente se considerarmos que o impacto destes “eleitos” do Legislativo é muito relevante, pois terão o poder de contribuir (ou atrapalhar) as iniciativas do Executivo afetando sua governabilidade. Como os REPG são um referencial de exemplaridade que sugere adesão de requisitos para empresas que prestam serviços ao público, esta questão é central a nossa causa.

Muito se fala que a base para a Primazia da Gestão dos eleitos do Executivo (Presidente, Governador e Prefeito) é obter o apoio das Câmaras Legislativas e do Senado, sem o qual a governabilidade (assista a um vídeo explicativo) poderá ser bastante prejudicada e até inviabilizada.

Especificamente para as Câmaras Legislativas, o sistema de apuração e definição dos eleitos pelo voto proporcional contraria a lógica pela qual o eleitor faz sua manifestação de voto. É antagônica a lógica do eleitor que faz voto nominal.

Quando o eleitor vota num candidato específico (voto nominal) tem a intenção que ELE o represente na Câmara, pelo menos em algum grau. Mas utilizar esta escolha como se o eleitor dissesse que qualquer candidato daquele partido representasse as mesmas ideias e propostas (o que seria adequado apenas quando o eleitor faz o voto de legenda) é muito desonesto (minha percepção).

Pense nestas regras de apuração do voto proporcional e, se não concorda com ela, compartilhe este artigo (e o artigo sobre voto consciente também) com o máximo de pessoas possíveis. Só assim o nível de consciência vai aumentar e nosso protagonismo poderá mudar alguma coisa.