O-FATOR-HUMANO-COMO-ELEMENTO-PROPULSOR-DO-BUSINESS-INTELLIGENCE

“A cada dia que passa os softwares de BI são mais disseminados, são mais presentes dentro das organizações, adquirem uma crescente evolução como verdadeiras soluções para otimização do processo decisório das empresas. Tratam-se da ferramenta que, de uma vez por todas, veio revolucionar os padrões analíticos corporativos. Basta adquirir o tal software e, de uma vez por todas, os problemas relacionados à utilização dos dados de uma corporação estarão solucionados”.

O leitor concorda com as afirmações acima?

Acredito que, provavelmente, a resposta tenha sido: “mais ou menos”. Esta seria a minha resposta – e explicarei o porquê.

É certo que os softwares de BI adquirem, com o passar do tempo, maior presença nas empresas. Isso se dá devido ao seu elevado poder em utilizar os dados oriundos de sistemas transacionais (provavelmente pré-organizado em data warehouses) e organizá-los de forma rápida, precisa e objetiva ao tomador de decisões. É certo também que os softwares evoluem em um ritmo considerável, tornando-se verdadeiros instrumentos que oportunizam soluções efetivas para o processo analítico.

Dizer, no entanto, que eles vieram para revolucionar os padrões analíticos corporativos, considero demasiadamente otimista. Prefiro dizer: os softwares de BI têm o potencial de causar uma revolução nos padrões analíticos da empresas.

Isso porque existe um componente fundamental para que tais softwares tragam os benefícios que se propõem. Uma variável que, se utilizada corretamente, pode, sem sombra de dúvidas, promover a utilização de tal tipo de software em sua plenitude, visando utilizar os dados disponíveis de maneira otimizada. Trata-se do fator humano.

Segundo Davenport (Competição Analítica. Ed. Elsevier, 2007), existem dois componentes essenciais para cultivar a Inteligência Analítica dentro das organizações: tecnologia e pessoas.

O primeiro fator diz respeito, segundo o autor, a “…recursos representados por tecnologia e pelos dados e como eles podem ser combinados em uma arquitetura analítica geral”. Hoje em dia é tecnicamente viável coletar e armazenar enormes quantidades de dados e uma arquitetura de business intelligence permite a organização desses dados, promovendo aplicação de modelos probabilísticos e determinísticos, algorítimos estatísticos, mecanismos de regras, ferramentas de simulação, data mining, text mining, OLAP, etc. Inúmeras literaturas tratam desses assuntos e, na grande maioria das vezes, o sucesso de aplicações de inteligência analítica é atribuído a tais ferramentas.

O segundo fator, no entanto, é tão ou mais importante quanto a tecnologia e muito menos abordado. Ainda segundo Davenport, é preciso considerar “…o fator mais importante para desenvolver uma empresa analítica: as pessoas”. É o ingrediente raro que faz com que a inteligência analítica funcione. “… os aspectos humanos e organizacionais da liderança analítica é que são os elementos verdadeiramente diferenciadores”.

Isso porque os softwares de BI não são elementos “mágicos” que, simplesmente a partir de um investimento, irão incrementar as decisões da organização. É necessário muito mais do que saber utilizar o software. Muito mais do que se especializar em suas funcionalidades. De nada adiantará uma organização dispor de um software com funções extraordinárias se as decisões continuarem a ser tomadas com base no empirismo característico de seu CEO.

O resultado será nulo se não existir uma cultura interna de exigir evidências para a tomada de decisões. Seus benefícios não serão visíveis se a organização não dispuser de uma estrutura organizacional analítica séria, responsável e competente à disposição dos gestores.

Davenport sugere que esta estrutura organizacional seja composta pelos seguintes grupos:

  • Os líderes analíticos (executivos seniores orientados a decisões baseadas
    em evidências): é essencial que a Alta Direção, responsável pelas decisões da organização, estejam comprometidas e tenham a cultura de decidir com base em análises quantitativas. Estas pessoas devem valorizar as conclusões analíticas, tornando-se entusiásticos do processo decisório baseado em fatos. Não é este o pessoal especialista em análise propriamente dita, mas sim especialista em tomada de decisões baseadas nas análises. Estes profissionais valorizam as ferramentas e métodos analíticos e estão sempre dispostos a agir sobre os resultados. Competências adicionais à um MBA são necessárias como: conhecimento em ferramentas quantitativas, interpretação de gráficos, modelos e informações complexas.
  • Os profissionais analíticos: a organização precisa dispor de conhecimento e competência instalada para executar as análises provenientes dos softwares de BI. Uma funcionalidade de rede neural, por exemplo, disponível em alguns softwares de BI, só será utilizada por profissionais conhecedores e especialistas em rede neural. Modelagens regressivas só serão aplicadas por especialistas em estatística, com conhecimentos dos pressupostos básicos de uma regressão (ausência de multicolinearidade, homocedasticidade, regressor não-estocástico, perturbação média igual a zero, etc.). São profissionais dedicados à gestão da aplicação do conhecimento oriundo dos dados disponíveis, os verdadeiros gestores da inteligência analítica.
  • Os amadores analíticos: profissionais com alguma formação analítica, muitas vezes limitada, mas que precisam trabalhar em processos de negócios altamente baseados em inteligência analítica. O cerne da questão, neste ponto, é que as organizações precisam elevar o nível de habilidades analíticas dos colaboradores, em um processo de real mudança de cultura. Alguns profissionais necessitam, com a utilização de softwares de BI, utilizar algumas ferramentas diariamente, de maneira rotineira, lidando com análises na linha de frente com o cliente (na maioria das vezes observando e acompanhando alguns processos analíticos). Neste cenário, a automatização das decisões rotineiras por intermédio de aplicativos computacionais pode ser utilizada.

Em nossa experiência no ramo de consultoria em gestão, observamos que a lacuna mais freqüente nas organizações é a inexistência de profissionais com as características dos profissionais analíticos, dedicados exclusivamente à gestão dos dados e informações da empresa. Líderes e amadores analíticos não são tão incomuns, embora, ainda hoje, diversas organizações comprem softwares de BI e continuem decidindo empiricamente, sem disseminar as ferramentas de maneira a atingir os mais variados processos.

Muitos discordam da necessidade da categoria de profissionais analíticos, argumentando que, com o atual nível de desenvolvimento de software estatístico disponível, até os amadores conseguem fazer o trabalho. Concordamos com o fato de que amadores capazes são necessários. Entretanto, nos estágios mais avançados de inteligência analítica, um conhecimento amplo e profundo de métodos estatísticos especializados se faz necessário.

O fato é que o mercado carece de profissionais analíticos, com a competência e especialização necessária para aplicar modelos quantitativos de maneira sistemática e pró ativa. As organizações, nesta linha, acabam não detendo o capital intelectual necessário para que análises complexas possam transformar números em conhecimento, dados em decisões, informações em inovações.

Davenport sugere, para este cenário, algumas possíveis soluções para dirimir esta lacuna de profissionalização da análise. A primeira delas é a conscientização das organizações de que investimentos tão ou mais pesados do que em tecnologia precisam ser feitos em desenvolvimento de conhecimento técnico. De maneira pragmática, as empresas precisam compreender (e inúmeros exemplos bem sucedidos podem ser observados) que a inteligência analítica em prol do sucesso dos negócios só existirá na presença de uma equipe técnica de análise de dados capaz de prever comportamentos e cenários em ambientes cada vez mais complexos.

Em segundo lugar, sugere que este corpo de analistas seja centralizado em alguma extensão. Se cada departamento tiver o seu pequeno grupo de analistas, mais dificilmente a inteligência analítica terá proporções corporativas. É impraticável ter as habilidades necessárias para análises mais profundas distribuídas em toda a organização. A maioria delas precisará de grupos centralizados que possam executar análises mais sofisticadas e desenvolver experimentos detalhados.

Como mais uma sugestão, este grupo centralizado de especialistas em gestão deve ter um relacionamento próximo e de confiança com os líderes analíticos. Bom relacionamento com TI também é essencial. Deve ser organizado por meio de uma política clara de priorizações, alinhado ao comitê estratégico e com autonomia para desenvolver os projetos necessários.

Com última sugestão relevante, Davenport defende que “…com a escassez de profissionais analíticos especializados, (…) muitas empresas estão começando a pensar na possibilidade de terceirizar este pessoal…”. Isso é o que as empresas chamam de “terceirização de processos de conhecimento” em áreas analíticas, cada vez mais comum em empresas americanas e européias. Defendo particularmente este modelo de atuação, pois inúmeras são as vantagens para a organização. Acredito que a vantagem mais relevante seja a profissionalização e garantia de que os dados de sua empresa estarão nas mãos de profissionais devidamente capacitados para tratar com um ativo cada vez mais importante na Nova Economia.

Rafael Scucuglia
Diretor de Operações
Gauss Consulting