As-dificuldades-de-ontem-e-hoje-na-tomada-de-decisão-sem-dados-e-informações

No final de 2010 a empresa de consultoria em que trabalho realizou uma pesquisa de mercado para mapear a utilização de dados internos no processo de tomada de decisão junto a empresas dos mais diversos setores.

Naquela ocasião, constatamos que 77% das 412 empresas que participaram da pesquisa declararam já ter tomado algum tipo de decisão sem consulta a dados ou informações e que 95% destas afirmaram que se houvesse algum estudo aprofundado sobre o tema, a decisão teria sido facilitada. Maior facilidade em conseguir consenso e maior segurança e agilidade apareceram como os principais benefícios da tomada de decisão baseada em dados.

Esta conclusão, naquela época, nos trouxe uma dúvida: se as empresas afirmavam que a decisão baseada em dados era mais segura, mais rápida e inquestionável, porque tantas e tantas empresas continuavam a abrir mão deste cuidado?
A resposta veio no próprio estudo: a maioria das empresas considera que as decisões tomadas sem o auxílio de dados e informações foram satisfatórias e trouxeram resultados positivos, além disso, os processos de tomada de decisão compartilhavam de problemas como muita demanda analítica e pouco recurso; superficialidade nas análises e dificuldade na geração de dados.

Hoje, quase 5 anos depois e trabalhando nesta mesma empresa de consultoria, olho para os resultados desta pesquisa, para as principais lacunas nos processos de tomada de decisão, e me pergunto se a realidade nas empresas teria mudado. Eu acredito que não, pelo menos não na grande maioria das empresas brasileiras, e comento aqui o porquê.

Não conheço uma empresa que não conte atualmente com algum sistema informatizado para registro de dados, por mais simples que ele seja. Mas também não acredito que isso signifique que as empresas deixaram de ter dificuldades na geração de dados.

Gerar dados para auxiliar o processo de decisão é (na realidade sempre foi) muito mais do que a capacidade de acumular um monte de números para fazer alguns gráficos. Na era da abundância de informações, a dificuldade na geração de dados para tomada de decisão apenas evoluiu, e passou a representar a dificuldade das empresas gerarem dados relevantes e confiáveis, dados úteis e que de fato serão utilizados. Se não for para utilizar 100% dos dados que uma empresa registra em seus ERPs, para que registrá-los? Como disse Philip Kotler “A não ser que os dados sejam processados em informações, que por sua vez, se transformem em conhecimento, que mais tarde se transforme em sabedoria de mercado, quase tudo é desperdiçado”.

Ao definir o que deve ou não deve ser registrado, e ao coletar uma informação, jamais podemos perder o foco da resposta que queremos. A estrutura de uma base de dados sempre dependerá do tipo de análise a ser feita e do método estatístico a ser aplicado, ou seja, a lacuna na capacidade de gerar dados está intimamente relacionada a uma outra lacuna identificada na pesquisa de 2010: superficialidade nas análises.

A ideia de superficialidade nas análises, ainda hoje, está pautada em basicamente dois pilares: capacitação de equipe e viés cognitivo.

Hoje, áreas de inteligência de mercado vêm cada vez mais sendo incorporadas na estrutura das organizações, mas grande parte destas áreas herdam os processos existentes e, até mesmo, os profissionais das áreas de pesquisa de mercado, marketing, comercial, entre outras. Trabalhar do mesmo jeito e com os mesmos recursos dificilmente trará novo conhecimento, por isso, utilizar dados unicamente para atualização de indicadores e ficar sempre nas respostas às mesmas perguntas não tornará qualquer análise menos superficial.

Os profissionais que atuam na indústria, no comércio, ou nos setores de saúde, educação, turismo ou agronegócio não precisam ser especialistas em análise de dados ou experts em estatística, margens de erro ou probabilidade – existem empresas e profissionais para isso. Esses profissionais precisam ser especialistas no seu negócio, no seu mercado, devem ser ousados e ter a capacidade de fazer novas perguntas, sem se deixar limitar pela dificuldade de conseguir o dado, para que se tenham novas respostas.

A superficialidade nas análises certamente deixará de existir quando os tomadores de decisão se capacitarem em fazer perguntas e aceitarem a contribuição externa e a visão não viciada de especialistas em análise de dados. Até lá, a terceira principal lacuna, identificada em 2010, continuará sendo realidade nas diversas empresas: muita demanda analítica e pouco recurso.

Alguns fatores hoje são mais complexos do que eram em 2010 e destaco dois: a) os desejos dos clientes mudam a uma velocidade maior, o que dificulta e minimiza a capacidade das empresas acompanharem estas movimentações; b) uma avalanche de novos estudos e novas informações são disponibilizadas todos os dias, o que aumenta consideravelmente o volume de dados a coletar, filtrar e analisar.

Diante desta realidade me parece difícil trabalhar com equipes enxutas e ainda assim conseguir acompanhar tendências e analisar dados em sua totalidade.

Enfim, apesar de os anos terem se passado e muita coisa ter mudado, a essência das lacunas identificadas nas empresas, quando se fala em análise de dados como apoio para a tomada de decisão, se mantém.

Os desafios são muitos e não podemos limitá-los à esfera de capacitação e treino dos analistas nas ferramentas corretas de análise. Que os tomadores de decisão possam cada vez mais dedicar-se aos negócios, com foco e visão de longo prazo; que os analistas de dados saibam cada vez melhor alinhar teoria à prática; que os dados se transformem de fato em inteligência acionável para os negócios e que a facilidade em conseguir o consenso, a segurança e a agilidade consequentes da valorização de dados na tomada de decisão, se torne realidade.