Realmente esta é a percepção de muitas pessoas no ambiente corporativo e os motivos para este tipo de percepção têm lá suas causas mais fundamentais. Vejamos os 5 motivos que apreendi nos últimos anos:

1) Comportamento dos profissionais da área: é comum que os profissionais da área, advindos do movimento da qualidade da década de 80/90 (donde eu mesmo sou egresso) sejam relativamente rechaçados pelos colegas de outras áreas devido ao comportamento típico de alguém que parece deter a verdade absoluta sobre a excelência da gestão em prol da qualidade superior e total. Estes profissionais, normalmente muito bem preparados e academicamente titulados, falam o “qualitês” clássico que só convence os já convencidos e tornam-se os “chatos de galocha” que sempre lembram o que as normas e/ou os prêmios exigem como algo a ser implantado, custe o que custar. Na grande maioria das vezes estes profissionais não estavam errados, mas o tempo demonstrou que as suas práticas foram parcialmente adotadas pela alta direção das organizações (no limite do mínimo necessário para atender aos auditores das normas ou aos examinadores dos prêmios), ou por complacência de nós mesmos quanto a esta parcialidade (vingindo-nos de “mortos”) ou por absoluta limitação conceitual sobre a gestão de resultados de forma mais ampla. Ao longo do tempo estes profissionais foram rotulados como “os caras da ISO” ou ainda “os caras da qualidade” e com frequência foram apenas úteis nos períodos que antecediam as auditorias ou as visitas de clientes ou ainda as visitas das bancas examinadoras dos prêmios da qualidade. A empáfia parece ter se apoderado destes profissionais e “uma” especialização (a da qualidade) transformou-se “na única” especialização realmente importante, que aqueles que a detém são melhores e aqueles que não a detém são os piores” (minha mera percepção). Hoje estes profissionais estão ainda nas organizações como função obrigatória (ninguém tem muita coragem de extirpá-los da hierarquia pela própria competência que acumularam), mas convivem com uma espécie de isolamento sendo a área com menor orçamento disponível, a área com menos gente e a área qua acaba acumulando as outras funções importantes atualmente, a saber: BPM, Gestão de Riscos, Compliance, SMS, Gestão Ambiental, etc. O sofisma é que o tema seja “o mais importante” e não “um dos mais importantes” na gestão das organizações;

2) Comportamentos dos gestores da alta direção: em contrapartida os gestores da alta direção fizeram parcialmente seu trabalho (talvez até por complacência dos profissionais da área, como já relatei anteriormente) de adotar os pressupostos da qualidade integralmente. É relativamente comum adotar as normas de gestão da qualidade (ISO 9001 / TL 9000 / TS 16949 / CQH / QUALIHAB / SASSMAQ / entre muitas outras iniciativas existentes atualmente) apenas para pendurar algum tipo de certificado na parede e poder dizer “publicitariamente” que a empresa “conquistou” algum tipo de certificação ou algum tipo de premiação, sem que isto pudesse ser efetivamente percebido pelas partes interessadas de forma mais explícita. Os membros da alta direção, com raríssimas exceções, estudaram pouco o tema e simplesmente delegaram a compreensão técnica para os especialistas da qualidade, transformando-se numa especialidade realmente e não num foco de qualquer gestor de excelência. Chega a ser hipócrita algumas organizações descreverem-se como “certificadas” ou “reconhecidas” em algum prêmio, mas ainda se caracterizando como campeãs em reclamações no PROCON, com sérias denúncias nas mídias sociais e sites específicos, e até sendo alvo de sérios questionamentos de merecimento pelos próprios colaboradores da empresa. Esta constatação parece ter tornado o tema QUALIDADE uma mentira cujo combate sequer vale mais a pena. O “fazer de mentirinha” parece ter sido a regra da alta direção e não a minoria, como talvez fosse se esperar!

3) Abordagem conceitual das normas e prêmios não prescritivos: Percebo ter sido também a superficialidade dos conceitos das normas e prêmios um dos culpados pela obsolescência do tema atualmente. É comum se dizer que tantos os requisitos das normas como os dos prêmios não sejam prescritivos, dando certo espaço para que os gestores oportunisitas de plantão (os minimistas) adotassem a forma para atender ao um critério (não prescritivo) da maneira menos comprometedora possível. Esta permissividade das normas e critérios de excelência abriu precedente que mais prejudicou do que ajudou, ou seja, fazer o mínimo necessário para atender ao requisito tornou-se a busca mais relevante e desafiadora, e a melhoria foi ficando para tras, procrastinando assim a qualidade em si e reforçando apenas o estado atual das coisas como forma legítima de trabalhar. A qualidade foi considerada mais “substantivo” do que “adjetivo”, isto é, a “Gestão DA Qualidade” (uma forma de gestão de determinada qualidade, seja ela qual for) ficou mais importante que a Gestão DE Qualidade (representando ser a qualidade um adjetivo da gestão, qualidade da gestão seria a idéia real aqui). Claro que a essência dos requisitos de uma norma ou de um critério de excelência precisa ser flexivel, elástico o suficiente para se adaptar as diferentes circunstâncias organizacionais, mas deixá-lo aberto demais, sem um mínimo de prescrição que garanta a implantação com o mínimo de aderência aos resultados que se pretende, é uma lacuna importante que pode explicar o secundarismo com que a qualidade da gestão se transformou nos dias atuais.

4) As certificações ISO 9000 viraram “commodities”: Corroborando ao argumento acima, cada vez fica mais explícito o fato de que empresas que empreenderam projetos de adequação as normas ISO 9000 (para citar apenas um exemplo, o mais comum deles), por mais diferentes que sejam o modo pelo qual foram implantados pelas empresas de consultoria e/ou por algum profissional de consultoria (ou até por esforço próprio, ou seja, sem ajuda externa), mereceram o mesmo selo ou certificado de “empresa certificada”. Os sistemas de gestão implementados e, de algum modo ainda aderente as normas adotadas (não prescritivas e abertas demais), estão cada vez mais diferentes entre si, principalmente sob o ponto de vista qualitativo, mas ainda merecem o mesmo rótulo de “empresas certificadas” sem nenhum tipo de distinção. A primeira grande omissão é com relação ao ESCOPO da respectiva certificação, ou seja, existem empresas certificando um pedaço do pedaço do pedaço de sua gestão e ainda publicam nas revistas, e em outros meios de divulgação, que “estão certificados”. Um absurdo que poderia ser minimizado se os organismos competentes obrigassem que 100% das empresas certificadas, quando optassem por divulgar sua “conquista”, divulgassem também seu ESCOPO, ou seja, a efetiva abrangência de quais processos organizacionais ou quais caixinhas do organograma efetivamente foram certificados. Este simples cuidado já separaria, em algum grau, muito joio do trigo. Outra lacuna é o fato de muitas pessoas entenderem que a inexistência de não conformidades, durante as auditorias internas e/ou externas, representa que a gestão é com a excelência desejada pelas partes interessadas. Muitos sistemas de gestão foram implantados de tal forma que a não conformidade simplesmente não será constatada. Basta uma empresa dizer em seus procedimentos documentados que seus padrões de trabalho são minimistas. Quer um exemplo? Uma empresa do segmento médico que atende pacientes com hora marcada (ou deveria atender) tem alto grau de probabilidade de não conformidade uma vez que as horas marcadas quase nunca funcionam. Uma alternativa de encobrir as não conformidades é simplesmente dizer (nos procedimentos documentados existentes) que o intervalo para considerar uma hora marcada é até 4 horas depois da hora agendada (existem empresas que dizem em seus procedimentos documentados que hora marcada é considerada validada desde que o atendimento aconteça no mesmo dia). Parece mentira, mas as normas permitem este tipo de tratativa uma vez que seu objetivo é padronizar uma determinada qualidade, não necessariamente a melhor qualidade. Nenhuma norma pode substituir o cliente na determinação do que é realmente bom ou ruim. As certificadoras também têm sua parcela de culpa neste nivelamento por baixo, pois designam auditores cada vez mais despreparados para realização das famigeradas auditorias e, mesmo que fossem auditores competentíssimos, ainda estariam limitados ao texto das normas aplicadas que, conforme já disse anteriormente, como não prescreve nada, permite este tipo de absurdo. É comum também ouvir auditores despreparados perguntando porquê se implementou esta ou aquela prática de gestão, nitidamente agregadora de valor, alegando que a norma não solicitava nada naquele sentido, como se a norma fosse um meio legítimo e inquestionável para definir o que a empresa deve fazer para obter resultados sustentáveis. É por estas e outras que o mercado de consultoria para projetos de certificação nas normas ISO tem se caracterizado como uma commodity, ou seja, sistemas de gestão da qualidade muito diferentes entre si (alguns de escelência e outros simplesmente medíocres) serão todos colocados num mesmo balaio de “certificados”. Isto precisaria ter sido resolvido na revisão de 2015, mas infelizmente as mudanças na norma ISO 9000 foram pífias (minha percepção) e irrrelevantes para se modificar esta circunstância. Era uma chance importante para adequar-se os requisitos dos critérios de excelência, mas ainda a distância é grande demais!

5) Auto Declaração de Conformidade: Na última década, milhares de empresas em todo o mundo se certificaram conforme a norma ISO 9000. Algumas decidiram fazer isso por exigência dos clientes, outras decidiram fazer isso como “conclusão natural” do processo de formalização dos sistemas de gestão, ou simplesmente para mostrar que estavam à altura de seus concorrentes via publicidade pura. A “indústria” da certificação naturalmente promoveu seus serviços e, com a ajuda da mídia, tornou os termos “ISO 9000” e “certificação” praticamente sinônimos. Atualmente, isso é menos comum, pois mais e mais empresas estão percebendo que manter seu certificado ISO não é uma necessidade, mas uma parte do custeio operacional anual. Embora algumas das empresas que escolheram a rota da conformidade com a ISO 9000 achem que o exercício valeu a pena, organizações de todos os tamanhos estão chegando à conclusão de que o processo de manutenção da certificação externa é caro demais e não traz tantas vantagens assim. O que se valoriza é que os processos organizacionais estejam aderentes aos pressupostos das normas e não a certificação em si. Eu particularmente tenho presenciado muitas empresas dizerem que as auditorias de acompanhamento dos organismos certificadores estão atoladas de burocracia, não agregando qualquer valor aos negócios, nem tampouco a excelência da gestão. Não é de surpreender, que mais e mais empresas estejam abandonando a certificação ISO sem, contudo, abandonar seus requisitos e até melhorá-los por meio da adoção de outros critérios de excelência (PNQ, BPM CBOK, PMBOK, etc). Essa é uma tendência que está aumentando à medida que as versões revisadas das normas vão sendo publicadas. Em primeiro lugar, algumas dessas empresas jamais estiveram comprometidas com os princípios da qualidade e, portanto, seus sistemas de gestão ISO 9000 são minimistas demais (já dissemos isto anteriormente) para trazer resultados sustentados. Muitas outras, porém, desejam manter um sistema de gestão consistente baseado nas normas ISO 9000, mas não vêem nenhum valor na certificação patrocinado pelas empresas certificadoras. É aí que entra a Auto Declaração de conformidade (embora o termo “Auto Certificação” seja muitas vezes usado para se referir à Auto Declaração, não é um termo adequado de acordo com a ISO/IEC 17050:2004). Nesse sentido, a Auto Declaração de Conformidade de Fornecedor é o resultado de uma avaliação interna da capacidade da empresa em atender aos requisitos das mais diversas normas de gestão. Portanto, quando a certificação acreditada (de terceira parte) não for um requisito dos clientes ou das partes interessadas, a Auto Declaração de conformidade com a ISO 9000 (por exemplo) é uma opção viável e que agrega valor para empresas de qualquer tamanho. Esta é uma laternativa que já existe (vide a referida norma já ter sido publicada), mas que ainda não é reconhecida nem tampouco praticada de forma mais ampla.

Hoje em dia, mais do que nunca, o tema GESTÃO PARA EXCELÊNCIA ou BUSINESS TRANFORMATION é mais enunciado que a QUALIDADE purista. O tema GESTÃO POR PROCESSOS (BPM) também é também mais recorrente e trazedor de público do que o tema QUALIDADE isoladamente. O termo QUALIDADE em si está em crise e exigirá de nossa parte um esforço relavante para trazê-lo a ordem do dia novamente (se é o que realmente deva ser feito). Teremos que intervir nos cinco motivos citados acima para reverter a situação e reinserí-la na temática sem os viezes que o tema carrega atualmente.

O próprio PNQ (Prêmio Nacional da Qualidade) já deveria ter-se transformado num mero GRID onde se colocam diversas empresas que se submetem ao diagnóstico de sua maturidade da gestão, ou coisa assemelhada, uma vez que não nos cabe mais reconhecer a QUALIDADE de uma empresa pois isto é atribuição indelegável somente dos stakeholders e de ninguém mais!

A palavra QUALIDADE é mais um dos “meios” importantes para se conquistar resultados para todos os stakeholders e não pode ser considerado um fim em si mesmo. Em síntese, entendo que o SOCORRO está pedido e cabe a nós, apaixonados pela causa, fornecer a ajuda que o tema merece.

Orlando Pavani Júnior
Diretor Presidente